24 março 2010

Morte anunciada

Há uns meses atrás, muitos de nós pensámos estar numa encruzilhada. A lógica do sistema estava a devorá-lo por dentro, instituições basilares acabavam de ruir e os reguladores descobriram então que os criativos lhes tinham passado a perna e que se comprovava, por via da globalização, que quando uma borboleta batia as asas em Wall Street, isso desencadeava uma tempestade nos Urais. Passados poucos meses tudo continua como dantes. Os mercados sobreviveram e recuperam, aos solavancos, mas recuperam, os estados fizeram o que tinham a fazer e sustentaram os mercados (a alternativa seria a catástrofe) e os investidores (ou especuladores) continuam a fazer bom dinheiro.

Havia alternativa? Creio que não. Como continua a não haver. Em termos ideológicos o capitalismo não tem hoje alternativa. Enquanto o mundo não se deparar com problemas dramáticos de sustentabilidade (e isso vai acontecer), com problemas estratégicos relacionados com a passagem do centro do mundo para fora das Américas e com o despoletar de regimes autoritários como resposta a revoltas que necessariamente vão ocorrer, enquanto não passarmos por tudo isto, o sistema vai sobrevivendo a analgésicos enquanto tumor toma paulatinamente conta dele.

Aguardam-nos tempos muito difíceis mas a verdade é que o parto sem dor não é para muitos uma forma natural de nascer e a Natureza dominará sempre a nossa natureza.

10 comentários:

Zé Povinho disse...

A caminho do autoritarismo...
Abraço do Zé

Eduardo Miguel Pereira disse...

Nas regionais Francesas já foi de certa forma significativo o aumento do nº de votos na extrema direita. Pode estar aqui (e eu acho que está mesmo) um sinal do autoritarismo que profetiza no seu post.
Vão ser tempos complicados os que ai vêm.

Quint disse...

Tenho de forma recorrente, e não só neste espaço mas também em blogues que mantive anteriormente, insistido na necessidade da mudança urgente de paradigma.
É que se a coisa não for a bem, vai ir a mal.
Andamos crescentemente perto dos cenários idealizados por alguns escritores desse género considerado menor, a ficção científica, onde frequentemente se alia a mais evidente vanguarda tecnológica com a ruptura dos modelos sociais, das urbes e dos moldes de governação democrática.

Pensador disse...

Ainda que seja obrigado a concordar com o que dizia um amigo meu, que o futuro está muito mais para "Blade Runner" que para "Os Jetsons", eu, como um eterno otimista, me fio numa situação que passou um tanto despercebida a muita gente:
Quando, em dezembro de 2001, foi instituído aqui na vizinha Argentina o "corralito", muitas pessoas se organizaram em associações, onde se disponibilizavam aos membros os mais diversos produtos e serviços. Havia um sistema de trocas indiretas, que permitiu a todos usufruir de um relativo conforto, mesmo sem disporem de pesos. As associações começaram por iniciativa popular, sem qualquer ingerência do estado.
Este fato me leva a crer que, embora eu concordando que seja extremamente difícil sua implementação, o anarquismo ainda é uma alternativa possível aos regimes atuais.

PQ disse...

Meu caro Ze Povinho, serão os refluxos da História, a nossa natureza predadora não nos deixa grandes alternativas e mesmo assim, os progressos dos últimos 200 anos foram notáveis.

PQ disse...

Caro Eduardo, parece-me que sim, vamos passar por uma fase de ebulição social, no entanto pode ser que no final seja possível mudar (por uns tempos) o tal paradigma.

PQ disse...

Amigo FP, como sabe, as coisas raramente vão a bem, os saltos são sempre feitos através de alguma violência; revolução francesa, americana, russa. Mesmo quando parece que as coisas saem a bem, há sempre algum grau de agressividade que nos é inata (e que, diga-se, é essencial à sobrevivência) e que acaba por caminhar a par com o esforço de cooperação que nos fez chegar a sociedades (aparentemente) mais equilibradas.

PQ disse...

Caríssimo Pensador, as ideologias politicas acabam sempre por se revelar redutoras, tendem a focar-se numa parte da realidade e a obscurecer o cenário, não contribuindo assim para que se estabeleça um caminho seguro. Perseguir um ideal é fundamental para criar novas realidades mas os quadros demasiados definidos afastam-nos da integração de todos os factores que contribuem para o progresso das sociedades até porque frequentemente, desembocam em dicotomias.

António de Almeida disse...

Havia alternativa? Creio que não. Como continua a não haver. Em termos ideológicos o capitalismo não tem hoje alternativa. Enquanto o mundo não se deparar com problemas dramáticos de sustentabilidade (e isso vai acontecer), com problemas estratégicos relacionados com a passagem do centro do mundo para fora das Américas e com o despoletar de regimes autoritários como resposta a revoltas que necessariamente vão ocorrer, enquanto não passarmos por tudo isto, o sistema vai sobrevivendo a analgésicos enquanto tumor toma paulatinamente conta dele.

-O capitalismo, a livre iniciativa, o mercado, enfim a Liberdade, tiveram alguma vez alternativa? O mundo viu onde nos conduziram as promessas nos amanhãs que cantariam, da abolição de classes na U.R.S.S. ao glorioso reich que iria durar mil anos, passando pelo renascimento da glória romana prometida por il Duce, basta olhar e aprender com as 2ª e 3ª décadas do século passado. Está lá tudo...

Pensador disse...

Concordo com você, PQ. Fórmulas prontas só dão certo no papel. Na prática é preciso levar em conta um fator secundário chamado realidade. Coisa que, ao menos aqui, os ativistas do socialismo ainda existentes insistem em ignorar.