15 março 2010

Já sou engenheiro!

Parabéns! Parabéns pá! Agora é que vai ser!
E agora? Perguntava-me, vou continuar a trabalhar no call center? Um engenheiro?
O meu pai enche o peito com o filho engenheiro das renováveis. O outro, o do governo, lá se farta de apregoar que as renováveis são o futuro...
Ná, o call center não é para mim... Agora sou engenheiro!
É claro que não me despedi, afinal o contrato também era de seis meses já renovado uma vez. Assim que souberam lá na empresa que era licenciado foram-me avisando que talvez a renovação não viesse desta vez...
No dia previsto lá estava eu, sentimentos ambíguos. E se me disserem que não mo renovam? O que faço?
Quero lá saber... agora com o canudo emprego não faltará! Mas e como faço sem trabalho por uns tempos? Como pago o carro? Como pago o certificado? E vou ter de continuar na casa dos pais mais algum tempo?
Vamos ver...
Dois anos depois, há um ano sem direito a subsidio de desemprego e continuava sem trabalhar...
Aquele aviso de precisa-se... pareceu mesmo providencial. Afinal, quem contrata nestes tempos?
Tem experiência? Alguma vez trabalhou numa cozinha? Lavar pratos, importa-se?
Não, não tenho! Só na lá de casa. Não me importo nada, afinal, como poderia?

Um engenheiro na cozinha de um restaurante? A lavar pratos? Ao lado de ucranianas, brasileiros, cabo-verdianas, os menos da sociedade...
Sou português sim senhor. Sou engenheiro de energias, sou um curioso e tenho orgulho de ser quem sou.
Hoje estou nesta cozinha, a aprender, a labutar com energia e vontade.
Amanhã estarei aqui ou noutro lugar qualquer... Mas não vou ficar apenas a ver a minha vida passar.
Vou amarrar-me ao que tenho de melhor. Vou aprender tudo o que me quiserem ensinar aqui e depois vou questionar-me sobre o que quero realmente fazer e vou aprender mais...
E depois?

Não sei, depois talvez seja um chef. Ou talvez vá aprender mais sobre qualquer outra coisa e tornar-me outra pessoa diferente. Mas sempre português. Sempre engenheiro. Talvez chef, quem sabe? Sempre muito curioso!


Depois? A vida está à minha espera... não posso ficar só a olhá-la, à espera que alguém me venha dar o comer à boca.

8 comentários:

Quint disse...

Ele que vá deitando o olho ao que o chefe faz!
Afinal, nunca se sabe se aliando conhecimentos de renováveis com os de química não esgalha aí uma iguaria "gourmet" cinco estrelas ...
Pois é, engenheiros a lavar pratos, licenciados a repositores de supermercado ... é uma vil e apagada tristeza esta nossa sociedade!

Patrícia Grade disse...

Acho que não consegui transmitir a minha ideia correctamente. Afinal esta é uma história, verídica.
Mas a lição aqui não está no habitual queixume.
A moral está na força que se tira de tudo o que se faz.
O meu irmão é este engenheiro/cozinheiro. Foi ele que passou os dois últimos anos a ouvir os meus pais dizer-lhe que um engenheiro tem sempre trabalho. Que há que esperar pelo sitio certo.
E foi ele também que gritou um basta ao desemprego, assumindo que neste momento o canudo de pouco mais lhe serve, que não seja limpar as partes numa ida ao WC.
É ele também que mantém a ambição de ser um activo, mais que um reactivo...
Tenho orgulho no meu irmão português, engenheiro, curioso, lutador... tenho orgulho nele porque mostra a muitos portugueses que ser-se licenciado não é um fim, é um principio...

Quint disse...

Percebi a tua perspectiva, mas mesmo assim insisto que é triste o futuro de um país que não consegue aproveitar as potencialidades das pessoas em que investiu.
Também eu tenho imenso orgulho na minha irmã, mas isso não invalida que considere lamentável que não consiga dar aulas e se veja na contingência de andar a recibos verdes numa autarquia, a repositora num supermercado e a batalhar contra a inclemência do Fisco por quase a considerar milionária à conta dum centro de estudos com menos de 1o utentes!

Eduardo Miguel Pereira disse...

Eu percebi a ideia Indomável, e aí o seu mano é de facto um homem de grande atitude, o que é de louvar.
Já o que não é de louvar é que tenhamos chegado ao ponto em que os nossos Engºs tenham de lavar pratos, ou serem repositores em supermercados, etc.
Isso é que não é aceitável.

João António disse...

Trabalhar num call center é algum desprezo ? Todos tivemos e temos que começar por algum lado.

Patrícia Grade disse...

Espero que me perdoem por só agora vos responder, mas não tive tempo para vir antes ler-vos.
Agradeço aos comentadores, porque este tema teria muitas mais coisas para dizer...
FP e Eduardo... parceiros...
a perspectiva está errada. A perspectiva de todos, a começar pelos nossos governantes e a acabar pelos fulanos que recebem o RSI e que se podem dar ao luxo de recusar trabalhos, porque não estarão ao seu nível...

Já agora, aproveito e respondo ao João António, que pergunta se é vergonha trabalhar num call center...

Meus amigos, a vergonha não está no trabalho em si, está sim, na forma passiva como o levamos a cabo. Se quem trabalha se sente envergonhado e menosprezado pelo trabalho a que se submeteu, então sim, é uma vergonha!

A verdadeira vergonha está em que hoje em dia se educam os indivíduos para trabalhar para outrem e não para tomar a iniciativa de criar o seu próprio sustento... por inúmeras razões que já todos nós conhecemos e por todas as outras que nos vamos impondo pela vida fora, a começar pelo que nos ensinam na escola...

Teria de passar sempre pela inovação educativa, pelo ensino do empreendedorismo e isso teria obrigatoriamente de passar pelo ensino para a excelência e lá vou eu voltar ao mesmo, não é FP?

Tite disse...

Parabéns ao autor deste belíssimo texto.
A Juventude com falta de Empregos e os Reformados a terem que pagar para esta crise depois de uma vida inteira de trabalho...!!!

Celina disse...

Estou no 12º Ano e este é um tema que me assusta... toda a minha família me empurra para as engenharias (vale a pena dizer que Matemática e Física e Química sempre foram as minhas piores disciplinas) por causa da empregabilidade que supostamente os cursos têm. Vê-se. Engenheiros a lavar pratos de um lado e prémios chorudos do outro. Haja vergonha minha gente! Estamos num país por si só melancólico e em vez de se combater esta tristeza inerente, ainda se reprime quem disso tem vontade. Premeia-se quem procura afundar o país e afoga-se quem o tenta sustentar. Nunca conduzi, mas gostava de saber se é assim tão diferente conduzir um carro de 2009 e conduzir um de 2010; acho que nunca fui a nenhum restaurante de luxo mas gostava de saber se é assim tão melhor que a comida que a minha mãe faz todos os dias. HAJA VERGONHA MINHA GENTE! Sentir-se-ão assim tão evoluídos esses animais primitivos dentro de Armanis?